Eu tenho enrolado muito pra escrever essa edição da newsletter por alguns motivos, que vou organizar uma lista pra ver se convenço vocês de que são legítimos:
Esse assunto anda rodopiando demais na minha cabeça e não sei se tenho uma conclusão pra ele;
Eu estava viajando (de férias, não viajando na maionese);
Eu viajei na maionese;
Eu estava dedicando 100% do meu tempo livre para aprender grego;
Grego é muito difícil;
Eu quero escrever bastante sobre essa viagem, mas não sabia por onde começar;
Eu perdi TOTALMENTE o timing pra primeira versão desse texto. Eu queria comentar uma thread de Twitter que um amigo lindo escreveu, sobre mercado editorial e as coisas que escritores fazem para serem vistos, e como, no fim das contas, para mim tudo se resumia à sensação de pertencer a um lugar, se sentir parte, ser reconhecido e legitimado por uma comunidade. ~~A magia do pertencimento~~ pode ser traduzida em segurança, estabilidade, poder, autoconfiança e outras infinidades de privilégios invisíveis, e sempre a entendi uma fortaleza de proteção em um mundo (ou mercado) hostil, que nos motiva a seguir em frente. Eu permaneço criativa porque, entre outras coisas, a comunidade no meu entorno me permite criar.
Mas aí esse tema começou a me perseguir, inclusive durante a viagem, o que eu achei de uma falta de educação imensa. Férias são para drinks de guarda-chuvinha, contemplação de ruínas ao pôr-do-sol e para tirar fotos de coisas tipo uma estátua de Afrodite dando uma chinelada no Pan, enquanto Eros dá risadinhas.
Férias não são para pensar obsessivamente em um tópico para a newsletter, ou questionar se tudo o que sei sobre pertencimento faz sentido. Mas fazer o quê: nessas férias, infelizmente, pensei.
Pensei muito sobre Atenas, um dos lugares que visitamos e é oficialmente meu ponto favorito das férias. Não só porque consegui ler muitas coisas em grego (VEM DEMAIS, DUOLINGO) e porque tudo tem no mínimo 2500 anos e a comida é maravilhosa e os dias foram quentes e o Parthenon existe, apenas. Apesar de ser o lugar mais maravilhoso onde já botei os olhos, fiquei triste muitas vezes, encarando ruínas destruídas de lugares que, no passado, estavam intactos e magnânimos. Tipo o templo de Zeus, que era ainda maior do que o Parthenon, mas tudo que resistiu ao tempo foram essas colunas:
Ou a bendita da Atenona.
Sorte a de vocês que não viajaram comigo, porque se tivessem, iam ouvir ainda mais sobre a Atenona. A Atenona, ou Athenas Promacho, era uma estátua de 9 metros — que, com o suporte, chegava a 13 metros de altura - construída pelo lendário escultor Fídias, por volta do século V a.C.. Era uma estátua gigantesca, que abria a entrada para a Acrópole, e era acompanhada de uma segunda estátua fabulosa de Atena, que ficava dentro do Parthenon. Mas nada era mais engenhoso do que a Atenona, que teria custado cerca de 2 bilhões de dólares no dinheiro de hoje. Fídias era tão magistral que construiu a estátua com partes removíveis de ouro, caso a cidade precisasse de grana em momentos difíceis, e também para pesar cada grama que foi usada na construção da estátua. A princípio, a Atenona foi considerada um gasto ridículo, mas quando Fídias mostrou os recibos de todos os gastos e, principalmente, o resultado final, os atenienses tiveram que concordar que ela era fabulosa. E hoje, não existe nem uma única migalha de Atenona pra contar a história! Nenhuma, nada, necas.
Fídias também construiu um Zeus colossal, que ficava no templo dele em Olímpia. Essa estátua foi considerada uma das sete maravilhas do mundo antigo e também foi completamente apagada do mundo.
Atenas foi destruída e invadida inúmeras vezes. Um tantinho pelos romanos, que ficaram com pena e mantiveram quase tudo no lugar; pelos otomanos, que dominaram o país por muitos séculos; por diversos povos que, por razões políticas ou culturais, para estabelecer dominância e poder, apagaram milênios de histórias, ritos, mitologias. Só conhecemos Atenona ou Zeus pelos olhos do passado, pelo assombro que causaram.
É inevitável visitar esses lugares, hoje tão vazios, e não sentir uma saudade sem nome daquilo que nunca foi visto nem tocado por mim, mas existiu. Eu daria tudo pra ver o templo de Zeus, a Atenona, Teotihuacan em sua melhor forma. Esses lugares, essas estátuas, já foram as certezas de alguém, o mundo de alguém. Já fizeram parte da paisagem do dia a dia, tanto quanto as antenas da Avenida Paulista ou o Cristo Redentor do Rio de Janeiro. A Acrópole, que muda de cor a cada incidência da luz do dia, era uma visão comum, que podia ser esquecida na correria do dia a dia. Imagine se acostumar com as luzes bruxuleantes do Parthenon em noite de ritual? Brincar ao pé do templo de Hefesto? Acenar para conhecidos dentro da escola de Aristóteles? Terças-feiras comuns. Normal, normal.
Até as certezas mais sólidas do mundo antigo foram passageiras. No fim, o que resta é memória, documento, imaginação e arte - e a resignação de conhecer essas certezas apenas pelos olhos de dentro. No British Museum, segurei uma moeda de 2500 anos na mão. Foi confeccionada na grande Atenas que eu vi pelos olhos do passado.
Preciso dizer que me senti muito em casa em Atenas. Dias de sol, gente simpática, comida ridiculamente esplêndida e idosas vendedoras me contando as histórias dos mitos gregos só pra me empurrar um bonequinho caro de Zeus costurado à mão (claro que funcionou). Mas acima de tudo, o que me permitiu esse sentimento dourado de pertencimento passageiro em Atenas, essa lembrança maluca de lar, foi entender que eu podia ser eu mesma ali. Empolgada, maluca, curiosa, sem reservas, sem precisar agradar, sem podar. Só ser. Só pertencer, estar ali, ainda que por poucos dias. Me permitir ficar triste por uma estátua de 2500 anos e, no minuto seguinte, ir correr numa pista de outros 2500 anos, que está intacta e linda.
Eu tenho essa tendência perigosa a deixar pedaços do meu coração pelo mundo. Tinha deixado uma porção generosa na Escócia, e agora lá se foi um pedação em Atenas também. Cheguei já querendo voltar, morar, estudar e absorver tudo desse lugar, pra ter certeza de que ele vai viver em mim. Um pertencimento passageiro da vida toda.
Dois avisos breves!
Não voltei só pra newsletter, voltei pros cursos também! Com muita alegria, começo hoje um curso no MIS sobre ficção científica — um bem completão, para quem ama o gênero <3 A sala tá cheia mas ainda tem vaga, VEM!
Passei a viagem toda pensando que, assim que voltasse, ia jogar Assassin’s Creed Odyssey e me jogar nos braços parrudos da Kassandra, mas descobri que Life is Strange: True Colors está saindo do Game Pass do XBox One. Joguei nesse fim de semana e gostei muito. Vi muita gente criticando quando lançou, mas não acompanhei o hype da expectativa e adorei. Tudo a ver com a busca pelos pertencimentos passageiros da vida.
E… é isso! Estou de volta, publicando a newsletter no dia errado, mas sem querer deixar pra depois. Semana que vem, voltamos à programação normal, sempre às quartas. Obrigada por continuarem aqui <3
agora quero ir pra Grécia. Vc me paga.
Me inscrevi no curso do Missssss ♥️