Uns meses atrás, tive a sorte de visitar o México a trabalho e a sorte ainda maior de ter um tempinho pra visitar o que eu acredito que seja meu museu favorito no mundo (até agora), o Museu Nacional de Antropologia. Todo mundo me dizia que era uma experiência maravilhosa, mas ver com os próprios olhos é surreal. É um trabalho de conservação da cultura e da própria memória que me deixa empolgada e emocionada; para quem ama narrativas antigas e mitologias, aquilo ali é uma surra de amor e histórias. Cada cantinho vale a pena ser olhado, investigado e absorvido.
Mas confesso que uma das minhas memórias mais fortes do museu foi uma bobeira que passou pela minha cabeça enquanto eu estava por lá. A história é a seguinte: no imaginário mesoamericano, a onça — que é chamada de jaguar — sempre foi símbolo de grande poder. Era a imagem que simbolizava a nobreza natural, o grande felino da floresta e, vamo combinar, é o bicho mais maravilhoso que existe na face da Terra.
A onça-pintada era minha obsessão meu animal favorito quando criança. Lembro de passar horas literais encarando a capa de um encadernado da Folha sobre animais em risco de extinção, que tinha uma onça lindíssima meio escondida entre folhagens, prestes a dar o bote. Ficava imaginando maneiras de salvá-la desse destino, lá do alto dos meus 8, 10 anos, e era uma criancinha que confiava muito no potencial da humanidade e no futuro.
Na época, eu não enxergava a ironia por trás do fato de que esse animal, considerado o rei das florestas latino-americanas, capaz de caçar até embaixo d’água, estava em perigo por causa da humanidade. Mas enfim, divago (como se eu fizesse outra coisa nessa newsletter).
O que me pegou, visitando o México, é que depois de séculos de supremacia oncística como símbolo primordial do poder, uma tal de cobra emplumada entrou no jogo, como uma nova representante do divino. Li um tico sobre isso e pelo que entendi, a cobra se tornou cada vez mais popular no imaginário mexicano mais ou menos na mesma época em que a cidade de Teotihuacan (no original, “Cidade dos Deuses”) ascendeu como uma potência local, por volta do ano 300 d.C..
Vale dizer que esse nome foi dado pelo povo mexica que, ao encontrar as ruínas desse povoado maravilhoso, em 1400 (!), ficou convencido que não se tratava de obra humana, mas sim divina, por conta de sua complexidade e beleza. Esse é um dos meus lugares favoritos no mundo, um mistério a céu aberto, e se eles gostavam de cobras emplumadas, eu tenho mais é que gostar também.
Só que isso me causou um problema. Se eu tiver que torcer por uma cobra ou por uma onça em uma luta eterna pelo panteão mexicano, vou na onça sem nem piscar. Mas visitando o museu, entendi que a onça parecia representar, para os povos que floresceram depois de Teotihuacan, uma visão antiquada do poder divino, que pressupõe força física e regras violentas. A onça se tornou a vilã do imaginário mexica, enquanto a cobra, com sua elegância sinuosa e mutabilidade que beira o mágico, representava os novos tempos, os novos deuses, mais astutos e estratégicos.
Andei pensando em tudo isso porque faz umas semanas que fui chamada de cobra — por um bom motivo, calma, pessoal. Uma pessoa me disse, de maneira muito generosa, que algumas das questões que vêm me incomodando criativamente podem ter a ver com o fato de ter crescido para além da “pele criativa” que eu usava no passado. Reconhecer essa nova camada, esse novo revestimento ofídico que acolhe minhas ideias e meu crescimento profissional, é um passo importante para entender aonde quero chegar.
Me sentir confortável em uma posição diferente, menos idealizada e mais maleável dos meus objetivos, ainda é algo novo para mim. Por muito tempo, me fiz caber nesse lugar de eterna iniciante, eterna escritora aspirante, eternamente insegura sobre o que gostaria de fazer, mas com uma ambição felina de “dar certo”, de “mostrar a que vim”.
Hoje, às vésperas dos 35, não me cabe mais negar os desejos e impulsos criativos que me fazem criar, respirar e existir, mas entendo que há milhões de maneiras de ser escritora, inúmeras verdades artísticas, impensáveis possibilidades para contar uma história.
Há beleza, sim, na cobra emplumada que cresce para além dos limites. Consigo vê-la movendo-se aqui e ali de forma estratégica, fazendo arte de maneira intencional e presente, e não por acidente ou simples impulso. Alguém que é mais frágil que a onça, mas planeja e organiza antes de dar o bote que, espero eu, seja boa arte.
(Mas eu ainda gosto mais da onça mesmo)
📖 Pelamordedeus, leia Several People Are Typing. COMO EU AMO livros que saem completamente da norma e são INSANOS. Esse é tipo de ficção científica (se é que dá pra chamar assim???) que mais me inspira a tentar formatos pirados. Nessa história, o protagonista acaba ficando preso dentro do Slack, uma ferramenta de trabalho remoto que ganhou fôlego durante a pandemia. Pra quem já teve que lidar com o Slack uma única vez na vida que seja, vai se sentir em casa. A gente vive num mundo muito doido, socorro. (E tá só cincão no Kindle)
🤯 Tive a oportunidade de reler um dos meus livros favoritos da vida, Flores para Algernon, e foi toda uma coisa também. Acho que vou guardar minhas impressões para a próxima edição da newsletter (cheguei a brincar no Twitter que estava feliz demais nesses últimos dias, por isso fui reler), mas já posso dizer que foi brutal, mesmo 11 anos depois da primeira leitura.
🏛 Sigo jogando Assassin’s Creed Odyssey e sim, esses dias pedi pro mozão passar a primeira guerra pra mim. No fim, descobrimos um macete ótimo que faz essa fase ficar bem menos traumática. Um dia eu termino!!! Enquanto isso, vou jogando Coffee Talk 2 e, er, Brincando com Fogo. Vou fazer o quê? Tô investida nas visual novels!!!
🦉 Passei a marca de 80 dias aprendendo grego no Duolingo e agora sei dizer que eu amo meu cachorro e que dei um chocolate azul claro para o elefante laranja. Não sei bem o que vou fazer com isso, mas tô feliz ❤️🩹
👀 Também tenho algumas diquinhas de ~entretenimento que vão ter que ficar para outra edição por 👀 motivos 👀, mas a gente fala deles quando chegarem.
Meio simbólico que eu tenha demorado pra voltar aqui para a newsletter depois da morte da Rita Lee. Não só foi um evento que me abalou um tantinho, mas a vida deu tantos duplos twists carpados depois disso que ficou difícil me organizar. Desculpem a demora e obrigada por estarem aqui <3
Amiga, tem um cisco no meu olho. Esses 35 são danados d+! AAAAFFFFFFFFFFFFF!!!!!! Muito ansiosa por essa troca de pele!
Eu nem comecei a ler e já digo: se não tiver a palavra COBRONÇA eu paro de assinar