Estou escrevendo um conto com um objetivo em mente. Em geral, o que mais funciona como motivação na minha escrita é ter prazos, de preferência com muita pressão externa e a sensação de que O MUNDO VAI ACABAR se eu não entregar isso HOJE, AGORA MESMO. É ótimo! Super saudável. Se essa tática dava certo pro Douglas Adams, o autor do fabuloso O Guia do Mochileiro das Galáxias, quem sou eu pra questionar?
Qualquer pessoa sensata: Essa tática não exatamente “dava certo” pro Douglas Adams, né? Ele teve burnout, ficou severamente deprimido com a escrita e literalmente morreu do coraç-
Gente, olha lá, não é um cachorrinho dançando no metaverso??? Que coisa mais distrativa! Eu sem dúvida estou muito distraída! Caramba!!!
Enfim, como eu ia dizendo.
O problema, porém, é que o tema do conto calhou de ser muito mais delicado do que imaginei de saída. Eu achava que se trataria de uma história simples, mágica, engraçadinha e esquisita, como quase tudo que gosto de escrever e consumir, mas agora estou enxergando camadas bem autorais dentro dessa história. Temas como ancestralidade, recuperação de narrativas esquecidas da minha família, silenciamentos de mulheres foda (inclusive, um beijo pra minha querida psico, a dra. Andria, que sempre está por aqui 🥰) e por aí vai. São muitos assuntos parrudos e difíceis, que me dão mais motivos para enrolar na escrita do que para mergulhar nela.
Porque não dá para falar casualmente, levemente sobre certas coisas.
Né?
Pode-se dizer que sempre mantive uma distância segura de temas muito doídos ou, no mínimo, de uma abordagem muito dramática desses temas. Meu objetivo como autora é fazer rir daquilo que nos assusta, de preferência com pitadas de fantasia, ficção científica ou maluquices sem nome.
Quando me apaixonei pelo tema da morte, sobre o qual (digo que) escrevo e pesquiso há anos, minha tendência era abordar o tema com leveza, seguir os passos do mestre. Mas depois de encarar alguns lutos doloridos, além de uma pandemia muito palpável, o tema fugiu de mim — ou, mais possivelmente, eu fugi dele. Continuei fazendo minhas leituras, pesquisando, absorvendo, mas sem coragem de colocar no papel em forma de humor, com leveza.
Mas a leveza não é avessa à profundidade. O próprio Douglas Adams era mestre nisso: enfileirando piada atrás de piada, ele passeava pelos temas mais espinhosos e com a profundidade que só grandes autores conseguem conquistar pelo humor. Ele foi um dos motivos pelos quais me apaixonei por ficção científica, inclusive, e me enxergar nela; enfim, alguém que ri de naves espaciais! Que zoa a humanidade!
Então, como encontrar humor naquilo que é tão grandioso, intocável, profundo?
Sei lá, ué, tô perguntando pra vocês também.
Mas tenho um palpite. A profundidade não está necessariamente na obra, mas na ponte que nos conecta a ela. O sentido que atribuímos a ela e como ela nos representa no mundo. Eu vejo profundidade em Douglas Adams porque ele me ajuda a estar no mundo. Suas ideias fazem sentido pra mim. Tenho certeza que um alienígena galã de duas cabeças e uma nave espacial movida a coisas improváveis não é necessariamente brilhante pra muita gente, mas pra mim, é perfeito.
Ontem voltei à sala de aula da ESPM para conhecer a nova turma da pós em Criatividade, Experiências & Comunidades na qual tenho a honra de dar aula. Minha matéria é voltada para narrativas de entretenimento e mitologias, propondo uma investigação sobre como histórias dão sentido a quem somos. Apesar de fazer muita piadinha em cada encontro, é um tema cabeçudo, que inevitavelmente provoca alguns mergulhos. Porque é isso que histórias fazem, até as mais banais.
Perguntei para a turma — inclusive, afiadíssima — se eles já tinham passado por uma experiência catártica, algum momento em que presenciaram arte que “lavou a alma”. A turma respondeu com jogos, filmes e, principalmente, muita música. Nem tudo que foi mencionado é erudito e sério — eu mesma digo com tranquilidade que tive revelações no último show dos Backstreet Boys aqui no Brasil.
Aristóteles dizia que a catarse era a experiência de limpar o olhar e, de fato, ver o mundo ao redor pelo que ele é, a partir da arte. Conceitos evoluem, mas acho que é seguro dizer que a arte é mutante e mais abrangente do que nos tempos gregos; hoje, talvez muitas pessoas sintam a catarse assistindo a Doctor Who ou ouvindo Adele, ou jogando Assassin’s Creed Odyssey e completando 100 dias ininterruptos de grego no Duolingo!!! e vendo um filme da Pixar. E rindo. Muitas vezes, rindo de se acabar.
Tudo isso pra dizer que vou me permitir escrever e dar risadinhas de menires emocionais. Vou me autorizar a brincar com a ancestralidade, rir com as mulheres sábias da minha vida, burilar os sonhos. É isso que, no fim do dia, vou ter orgulho de ter construído.
Isso e os 101, quase 102, dias de Duolingo. Pqp, galera, grego é difícil demais. Mas a motivação continua!!!
🤖 Vejam a temporada nova de Black Mirror! É o que eu tô fazendo agora, aos poucos, quando não estou…
🏛️ … Obcecada por Assassin’s Creed Odyssey. Sim, gente, eu já sei que só falo disso, assim como já aceitei no meu coração que é meu jogo favorito da vida. Cheguei em Atenas e comecei a chorar com uma estátua gigante da deusa Atena feita de pixels. Tirei até foto (saiu horrível). Eu daria TUDO QUE TENHO pra ver essa estátua enquanto ela existia e a experiência de passear pela cidade é perfeita.
Chora comigo (ou veja esse vídeo mais completo com o passeio por toda a Atenas reconstruída, que não assisti inteiro pra não ter muito spoiler):
Jogos, vocês são tudo pra mim.
Obrigada por ter me lido até aqui! Abraços e até a próxima edição 🥰
Duas coisas: 1) a gente precisa um dia sentar pra tomar um café e conversar sobre os pontos de encontro das nossas aulas/pesquisas e 2) quando é que vai ter um curso delicinha com o assunto dessa matéria aí? Eu AMEI!
P.S: Eu amo a sua newsletter! Só dizendo. Me faz pensar em tanta coisa... me faz sair do lugar (e isso é tão bom!).