Lembro vagamente do primeiro livro que escrevi. Eu devia ter uns sete anos quando meu pai arranjou um computador para trabalhar, mas que eu e minhas irmãs ocupávamos toda hora para jogar Paciência, inventar alguma coisa no Paint e, no meu caso, explorar o Word1. O protagonista da minha obra era um peixe baterista que queria se tornar uma estrela do rock e, para isso, contava com a ajuda de um tubarão, que era secretamente gentil e odiava caçar peixes. Sim, estou aguardando até hoje o pagamento dos meus royalties pela ideia original de O Espanta Tubarão.
Mas meu segundo livrinho ficou mais célebre. Chamava O Mistério do Tesouro da Canoa de Ouro e se passava em um rio amazônico, com um casal protagonista com leves tons enemies to lovers e, bom, uma canoa de ouro afundada, numa pegada meio Titanic. Eu tinha uns oito, nove anos e, além de escrever, fui capista e estrategista de marketing da minha própria obra. O autor independente não tem mesmo um segundo de paz.
O livrinho foi parar em uma feira de artes da escola, junto com outros livros e obras de arte dos amiguinhos. Não lembro de ter ficado nervosa para o “lançamento”, e sim ansiosa para mostrar minha arte e ver o que os outros tinham feito. O livrinho da Larissa, minha colega de sala, foi escrito à mão em um diário lindo, que quase roubei pra mim. Lembro que tentei trocá-lo pelo meu livro, porque poderia escrever outro a qualquer momento, praticamente uma Stephen King da fantasia infantojuvenil.
Tenho poucas lembranças desse dia, mas sei que foi mágico. Sempre amei o fervo, festinhas e holofotes, e essa alegria aumentava exponencialmente quando o rolê envolvia histórias. Minhas memórias mais vivas da infância sempre têm relação com livros, filmes, teatrinhos e jogos. Acho que já contei por aqui da Tia Márcia, a bibliotecária, que me aconselhou, com muita educação, a brincar com amiguinhos durante o recreio, em vez de passar o tempo todo na biblioteca.
Fiz mais amigos quando comecei a me lançar para outros tipos de arte, tipo um coral infantil que ainda dói demais, então não vamos falar dele. Também fiz vários anos de teatro, que me salvaram de ser uma adolescente 100% insuportável e constrangida por qualquer demonstração de personalidade. Eu era só uns 95% insuportável. Ufa.
Tenho revisto muitas fotos de infância para um ~projeto (sobre o qual já dei spoiler por aqui) e está sendo uma experiência bem legal. Muitas coisas eu já sabia, e as fotos reforçaram: sempre fui muito próxima das minhas irmãs, alegrona que nem um golden retriever, chorona em momentos nada a ver e bem aparecida. Mas nunca tinha enxergado essas características como qualidades, nem como coisas que eu poderia perder ao longo do tempo. A ideia de lançar um livrinho para a escola toda ler me empolgava, não me levava para a terapia. Encarnar a Narizinho em uma peça da escola era só mais um dia na vida de uma menininha com muita autoestima e pouco medo do ridículo.
(Filha caçula, né. Vai vendo.)
De uns tempos pra cá, a Claudinha destemida tem reaparecido nas minhas lembranças, como uma companheira para momentos difíceis. Por orientação da minha psicóloga, em um método que é ao mesmo tempo gentil e dolorido, preciso levar minha eu criança para ver o mundo, de mãos dadas, e pensar em como ela se sentiria vendo onde chegou até agora — os lugares que tenho visitado, as conquistas que têm surgido. Provavelmente ela teria algumas críticas estruturais ao meu estilo de vida — “não virou atriz de Hollywood? Quantas marionetes você tem em casa? Não casou com o Tom Cruise?????” —, mas acho que, no geral, estaria satisfeita.
Não quero ser piegas e dizer que escrevo por causa dessa menininha, para deixá-la orgulhosa. É verdade? Claro que é. Mas por hoje, prefiro encarar isso de outro ângulo.
Quero convidar essa menininha para escrever comigo. A Cláudia que sentava e produzia um livrinho inteiro em uma tarde, com a certeza de que era uma obra-prima, empolgada pela leitura alheia, tem muito a ensinar à Cláudia que esconde os manuscritos e distribui sorrisos amarelos.
Se você convidasse sua versão criança para trabalhar com você nos seus projetos, o que sairia? Uma profusão de cores pintadas fora da margem do desenho? Referências malucas? Conta pra mim :)
E feliz dia das crianças a todas elas — e também aos adultos que, como diz minha querida amiga Anna Martino, são apenas três crianças escondidas em um sobretudo. De preferência, tentando comprar uma entrada para Titanic. Sendo desmascaradas e desistindo. Indo assistir na casa de uma amiga. Fingindo que entenderam a cena da carruagem. Essas coisas, sabe como é.
Alguns links rapidinhos:
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🪐 Meu workshop de criação de mundos imaginários tá no ar! Quem viu a edição de ontem sabe que assinante na newsletter tem descontinho especial 💖 Vem que vai ser lindo! A turma está se formando e tem muita gente legal!!
🥺 “Da importância de estar em contato com a bondade”, de Luri, foi uma das coisas mais bonitas que li essa semana. Quando tiver um tempinho, dá uma olhada. Especialmente para quem gosta do Miyazaki!
Até hoje não aceito que odeiem o Clippy do Word 97. Ele era um amigo. Vocês não tinham coração não, caras.
Muito feliz em acompanhar sua linda trajetória de vida, Claudia! Tenho certeza que a sua criança vibra em saber que faz parte e é sua convidada de honra :)
Emocionante, amiga! Tb fazia livrinhos e revistas. Olha no que deu: nos encontramos!!! Parece tão distante, né...