No curso de worldbuilding que começou segunda passada, propus um exercício: criar uma sociedade perfeita na Terra. Antes de começar, dei uma dica: não precisava ser uma sociedade humana. Combinei 15 minutos para terem ideias — pouquíssimo tempo, intencionalmente — e deixei rolar.
As respostas foram maravilhosas, seja por quem mergulhou na filosofia da coisa (o que é sociedade? o que é perfeita? a partir de quais critérios ela seria considerada assim? quem disse que é perfeita?) ou pra quem quis encarar o desafio narrativo.
Arrisco dizer que rolou inspiração para alguns NaNoWriMos por aí 💅, mas acima de tudo, o que mais gostei no exercício — e principalmente, nas histórias que foram trazidas — foram as reflexões em torno de uma constatação antiga: imaginar futuros melhores é muito difícil. Utopias são insólitas porque equilibrar expectativas, desejos e convicções humanas é praticamente impossível, ainda mais quando exigem a demolição de estruturas profundamente enraizadas no nosso mundo.
Em tempos de tanta fragilidade política, pensar a esperança é ainda mais trabalhoso.
Contudo, pensar a esperança é necessário para pavimentar novos caminhos para o mundo. É aquilo que sempre costumo falar sobre o hopepunk, o subgênero fantástico que é pautado em esperança e luta coletiva, e que não tem nada de inocente ou bobinho como o nome pode sugerir para algumas pessoas. Fabricar mundos por meio das palavras é um instrumento político muito poderoso, usado exaustivamente por quem está no poder hoje1, e um grande passo para mudar o nosso mundo de verdade. Ou seja, criar narrativas alternativas de poder, que pensem uma realidade mais justo, mais generosa e onde a natureza é de interesse de todos, por exemplo, é urgente.
Não é à toa que Ursula Le Guin usou seu discurso no National Book Awards para frisar a importância do reconhecimento e da liberdade de autores de literatura fantástica. Para a autora, é trabalho dos “realistas de uma realidade maior” o de imaginar territórios reais para a esperança. A centelha transformadora em geral nasce na arte, diz Le Guin, especialmente quando falamos sobre as artes das palavras. E se há um momento para encorajar transformações sociais, de preferência boas e democráticas para variar, esse momento é agora.
Mas com que cara eu vou vir aqui e falar pra você, pessoa brasileira em 2022, produzir arte? Ainda mais arte otimista? Você que, nessa semana, está provavelmente sobrevivendo à base de uma molécula solitária de serotonina tentando começar o dia?
Não é meu papel, nem de ninguém, imagino, ditar o que devemos criar em tempos difíceis. Eu mal consigo ler as coisas que sinto que deveria estar lendo nesse momento, quanto mais colocar no papel uma porçãozinha do que venho planejando e sentindo — e haja material nesse campo — em estruturas de ficção e não-ficção.
Ainda assim, tenho certeza que vai nascer boa arte a rodo desse momento histórico. Como todo tempo de guerra, em breve haverá cada vez mais documentos desse pesadelo compartilhado. Mas essa boa arte pede tempo para nascer, um terreno para crescer e germinar. Talvez ela arte seja o livro, filme, série, newsletter ou jogo que está aí, se desenhando pouco a pouco na sua cabeça. Mas tomar uma certa distância saudável do momento atual, onde tudo parece nebuloso e nefasto, é primordial. Estamos perto demais da beira do abismo. Não é hora, necessariamente, de dar um grande salto adiante.
Por isso, tenho uma proposta: pequenas revoluções artísticas diárias. Mínimos gestos de luta para exaustos. Microesperanças para nos mantermos, se não atentos e fortes, pelo menos acordados e tentando.
As microesperanças incluem, mas não se limitam a:
Não necessariamente vencer o NaNoWriMo (falo dele na próxima edição!), mas começar o NaNoWriMo;
Não necessariamente ler todos os livros da pilha, mas encontrar um que conforte e acolha, para o qual você possa voltar quando quiser;
Não acreditar em tudo o que a síndrome de impostor te diz. Pode acreditar um pouco, que deixe aquela dúvida saudável entre o que está bom e o que você pode fazer melhor, mas não muito;
Respeitar o silêncio dos outros e acolher quando estiverem de volta, sem tomar decisões repentinas sobre todas as suas relações pessoais;
Se lembrar, todos os dias, que você não precisa do crivo de todas as pessoas do mundo para fazer arte;
Sair um pouco do Twitter;
Não se cobrar a escrever um livro inteiro, mas saber voltar para o primeiro passo do caminho. Lembrar por que gosta de escrever e criar. Ter paz e diversão quando faz isso.
E sem sutilezas por aqui: senta o dedo no 13 nesse domingo. A gente merece esperanças jumbo, imensas, pra encher esse mundo de arte, de luta e de resistência à violência que ainda vamos encarar. A gente merece toda a energia disponível para se curar de uma doença profunda. A gente merece descansar.
E um lindo, feliz e jubiloso aniversário pro Lula.
Se você ainda tem estômago pra ver a cara do Bolsonaro, recomendo esse vídeo aqui sobre a relação entre o Biroliro e a criação de narrativas.
Sensacional! Não só me deu mais ânimo pra tentar o nanowrimo como uma vontade de apertar o 13 com mais força hehehe
Esse texto me abraçou.
Obrigada por isso. Seguiremos e venceremos!