Nos filmes, quando nossa heroína (ou herói) precisa descobrir algo importante para a trama, geralmente ela esbarra em algumas pistas que, com o passar do tempo, vão formar algo coeso, revelar uma verdade. Um movimento discreto aqui, um personagem que olha esquisito ali, um diálogo solto acolá até que *bum*, as peças se encaixam — muitas vezes em uma sequência rápida de flashbacks que, juntos, mostram que o mistério estava ali, na cara dela, o tempo todo. A personagem enfim solta um suspiro de alívio — é o fim da angústia da perseguição, chega de suspense! — e agora, tudo faz sentido. Ela está pronta para o desfecho.
Tenho me sentido assim faz semanas, como se a vida estivesse me dando pistas de alguma coisa na qual deveria estar prestando atenção e eu não conseguia entender o que era. É uma Elis Regina reconstruída em inteligência artificial aqui, é um Indiana Jones que viaja para a Grécia Antiga ali, é um Acorda, Carlo!, uma das coisas mais importantes que vi recentemente, me perseguindo em tudo quanto é canto... até que hoje, horas antes de ir assistir a Barbie, as pistas se juntaram. Tem uma newsletterzinha sobre passado querendo sair desses dedos aqui.
Mas não qualquer aspecto dele: o antigo como um território a visitar e explorar ou, o contrário, um passado que visita, invade, não faz cerimônia, e como lidamos com esses dois movimentos. Minha parada é contar histórias, então vou pegar algumas emprestado para costurar ideias a partir desse comichão esquisito.
A ideia de visitar o passado sempre me fascinou e frustrou. Já cheguei a passar por umas situações ridículas, como lamentar e chorar porque prédios de 2500, 3000 anos estão em ruínas hoje, quando eu devia é celebrar a conservação porreta desses lugares. Tem uma piadinha deliciosa em Assassins’ Creed Odyssey, minha obsessão dos últimos meses: quando Kassandra, a protagonista, passa por perto do famigerado Templo de Zeus, ela comenta algo como: "Zeus deve estar bravo com a demora para construir esse negócio". A piada é que, hoje, o lugar está todo em ruínas — e no jogo, também, porque ainda estava sendo erguido. O templo, que teria sido a construção mais colossal de toda Atenas, durou apenas um século de pé. Foram pouquíssimas as gerações que o viram em toda a sua glória. Para quem veio antes ou depois, havia só pedras ali — fossem elas uma promessa de glória ou um símbolo de destruição.
(A partir daqui, vão vir alguns spoilers de Indiana Jones 5 e Acorda, Carlo. Se você liga pra spoilers e quer ver esses dois, recomendo pular até o próximo parêntese como esse, onde já vai estar seguro ler de novo. Se você não liga para spoilers e quer assistir, vem comigo. Agora, se você não liga para spoilers e nem quer ver esses tesouros de jeito nenhum, quem partiu o seu coraçãozinho desse jeito??)
No fim de Indiana Jones e o Chamado do Destino, Indy sem querer viaja para o passado em um avião pilotado por nazistas e aterrissa em algum lugar da Grécia Antiga, onde conhece Arquimedes — O Arquimedes. Jones, que sempre estudou esse período, fala em grego no filme (meu Duolingo em dia arrepiou todinho) e sonhava em ver o passado com os próprios olhos tomou a única decisão possível: queria ficar. Que mané nazista, século XX, hippies!. A parada dele é homem de toga falando difícil. E eu, fangirl de antiguidades, concordei com ele. Talvez fizesse uma escolha parecida e quisesse ficar em Siracusa.
Mas Indy não pode morar no passado. Sua presença ali é uma anomalia. Em outros filmes de viagem no tempo, em geral há toda uma questão de paradoxo e consequências desse tipo de viagem, que Indiana Jones não explora tanto; como diz a personagem da maravilhosa Phoebe Waller-Bridge, ele apenas não pertence àquele lugar. Visitá-lo, brincar ali, cumprimentar seus ídolos de toga, tudo bem. Mas nosso tempo, o tempo de Indiana Jones, era o futuro. Ele só era quem era, só tinha conquistado tudo o que tinha, porque sua paixão pelo passado estava em um território do imutável, daquilo que é antigo, protegido e poderoso.
Mas Indy, do alto dos seus setenta e muitos ou oitenta e poucos, entende que não há nada de mau em visitar o passado para brincar. Nem trazê-lo consigo para o presente.
Em Acorda, Carlo!, o garotinho do título cai em um sono encantado por 22 anos. Ele e seu melhor amigo, além de uma cambada de malucos, vivem na ilha da Diversão Sem Motivo, onde é encorajado brincar, não competir. Quando Carlo acorda, todo mundo que ele conhece envelheceu, encaretou e aceitou um destino terrível: a vida adulta sem graça e cinzenta da Zona de Conforto. A montanha mágica que encorajava a brincadeira adormeceu, um sacripanta chegou ao poder e ninguém mais sabe se divertir. Pior: seus amigos perderam a maior parte de suas memórias. Carlo, em compensação, é uma força da natureza maluca, um molequinho autoconfiante e generoso de pijamas que literalmente se diverte com pouco.
Carlo é a resistência do passado brincalhão, da infância livre de preocupações, invadindo o presente cinzento também como uma anomalia — mas que, ao mesmo tempo, tem a vida toda pela frente. Carlo não tem lugar nesse mundo careta, então o invade para, aos poucos, colori-lo de novo.
Quando atazano vocês com minha obsessão por Assassins’ Creed Odyssey, não estou apenas dividindo a paixão que tenho sentido pelo que agora entendo que é o Jogo Da Minha Vida. Ao materializar alguns dos meus desejos mais sinceros — como trocar ideia com Sócrates, ver o Partenon e a ATENONA em toda a sua glória, ser uma mulher grega forçuda de 1,80m, saber fazer tranças laterais, etc. (divago) —, esse jogo me devolve o entusiasmo do brincar na infância. Me sinto o Carlo, acordando depois de décadas para lembrar a todos do que nunca devíamos ter esquecido. Me sinto o Indiana Jones, rejuvenescida ao encontrar seu ídolo de décadas. Me entendo como uma adulta empolgadíssima pelo filme da Barbie, esse túnel diretamente para o passado onde eu inventava histórias sem nenhum compromisso.
(Editado: Agora temos um parêntese seguro contra spoilers — é esse aqui! Brigada, sis, pela lembrança <3 hahaha)
O passado é um território que sempre teremos para brincar — e há algo de sagrado, cerimonioso, nisso. Essa é minha teoria por trás da indignação que o comercial da Elis Regina despertou em tanta gente. Para muitos, não pareceu um convite legítimo para a brincadeira e a nostalgia, mas um método emocionalmente forçado para vender um produto.
A linha entre a beleza da nostalgia e o mau gosto explorativo talvez seja tênue. Mas de uma coisa tenho certeza, cada dia mais: às vezes, só precisamos de um território seguro para brincar.
E a próxima edição dessa newsletter, é claro, vai ser sobre a Barbie.
Sem recomendações hoje porque acho que já fiz muitas aqui! Obrigada por terem lido essa maluquice 🥰 Não esgotei o tema nem de longe, muito menos tenho certeza de que foi a melhor forma de colocá-lo no mundo, mas tá aí. A conversa continua, como sempre. Bye, Barbie, e até a próxima 🩷
Isso foi muito bonito. Realmente, falar assim do passado me lembrou como a cena que a Barbie toma chá na cozinha me lembrou de mim com a minha avó e senti saudades. É legal lembrar dela para trazer de novo pro presente as coisas legais de lá. Foi muito tocante esse post, Clau!
Adorei a news! Estou ansiosa pelos filmes, ainda não tive oportunidade de assisti-los!