Não é segredo pra ninguém que estou obcecada encantada por Elvis.
(Na verdade, eu devia é começar a fazer segredo sobre isso; sinto que já, já vou perder algumas amizades)
Fazia muito tempo que eu não obcecava me interessava por algo nesse nível, o que foi um sopro de ar fresco e, ao mesmo tempo, um tiquinho alarmante. Já vi duas vezes no cinema e veria facilmente muitas mais. Quando me apaixono assim por uma obra, é porque tem mais camadas dela que preciso desvendar antes de partir para uma nova obsessão paixão saudável.
Por alguns dias, achei que se tratava de saudade do teatro. Não comento sempre, mas artes cênicas são um dos maiores amores, que eu pensei muito em seguir até que a vida me levasse pra caminhos diferentes. Costumo brincar que só escrevo ficção para poder interpretar um milhão de personagens na minha cabeça. O palco é mágico para mim.
Então, faz sentido que um filme com interpretações de encher os olhos dê uma balançada aqui. Deve haver uma Claudinha perdida, com vinte e poucos anos, torcendo para que eu fizesse essa escolha corajosa de ser atriz. E aí que me deu um estalo: quando eu penso em Elvis, e em tantas coisas pelas quais sou muito saudavelmente apaixonada, obrigada, penso em coragem. E mais ainda, em covardia.
Não dá para ignorar que essa paixão surgiu em uma fase importante da minha vida, em que decidi levar minha carreira para um lado mais conectado à criatividade. Tenho culpado bastante a newsletter por me fazer pensar mais em arte e criação, mas a verdade é que esse foi um caminho natural do processo de estar mais em sintonia com a ideia de criar. Escrever se tornou uma parte bem mais frequente e planejada no meu dia1… assim como os momentos em que evito escrever. Mais do que gostaria de admitir, eu adio, enrolo, dou aquela olhada esperançosa na lista de tarefas procurando motivos para passar coisas na frente… vocês andam vendo meus reels sobre escrita e criatividade? São uma gracinha! E curiosamente frequentes…
Meu processo de criação passa inteiramente pela covardia. E não só porque jogar The Sims e fugir para o TikTok me parecem opções muito melhores do que me arremessar de coração no texto, mas também no próprio fazer artístico. Acho que, no fundo, o que eu amo em Elvis é a revelação de que a covardia — e a relação ambígua do artista com ela — é parte inescapável de qualquer trabalho criativo.
Quer dizer, vamos lá, deixa eu me explicar. Primeiro, olha esse gif:
Essa é uma das minhas cenas favoritas do filme. Pouco antes disso, Elvis estava sendo ameaçado por bolsominions de 1950 homens insatisfeitos com as suas reboladas. Diziam que ele devia ser preso, meteram esquema de segurança antes dos shows, o escambau. Mas se ele se comportasse, não haveria mais problema. Era só não rebolar um dedinho que fosse.
E aí, hehe, você pode ver o que veio depois:
Essa é uma das expressões de coragem artística mais deliciosas que vi nos últimos tempos. É compromisso puro, tanto dessa versão do Elvis quanto do ator, até a pontinha do topete. O famoso entregou tudo.
Isso é coragem.
Mas o pulo do gato é o seguinte: o Elvis de Elvis não é corajoso o tempo todo. Pelo contrário, boa parte da sua carreira mostra decisões seguras demais, escolhas questionáveis e até, ora ora, uma boa dose de covardia e medo de confronto. Claro que o filme é uma dramatização, que encena a vida de uma pessoa real e é claro que eu não comprei duas biografias do Elvis pra fazer comparativos assim que tiver um tempo livre, claro que não, é só uma fase, mãe, mas isso tornou o personagem ainda mais interessante pra mim. Porque a arte não é corajosa se é fácil. Se entregar, explodir, mostrar vulnerabilidade não é fácil.
E aí, a importância da covardia.
Eu adoro covardes da ficção. Hamlet foi a minha peça favorita da vida (e talvez ainda seja) porque é um grande tratado sobre pensar demais e mandar o cérebro calar a boquinha, mesmo que o protagonista soubesse o tempo todo que precisava agir, e rápido. Meu personagem favorito de Stranger Things é o Eddie, de longe, que chegou já alugando um triplex no meu coração compadecido por quem tem medo de tudo. Rony Weasley idem, Tenho preguiça de quem é imediatamente corajoso em qualquer situação. Senso de preservação, já ouviu falar?
O problema é que a covardia artística leva ao que vemos aos montes por aí: enredos bestas, histórias pouco inspiradas, pasteurização de conclusões. Desfechos idênticos para narrativas intercambiáveis. E a arte memorável, a vulnerabilidade, o entregou tudo fica de lado, quem sabe na próxima, se os CEOs aprovarem.
A covardia prepara o terreno para a revolução. Mas não há revolução na fórmula. No fim do dia, o texto precisa ser terminado. E a coragem precisa ganhar.
Vou deixar aqui o vídeo obrigatório para esse assunto: Ursula Le Guin, vencedora do National Book Awards por anos de produção de arte memorável, revolucionária e provocativa, mandando a real. No fim do dia, os louros do artista não estão em territórios seguros: estão na liberdade de criar, sem temer essa liberdade. Que assim seja, Ursulinha. Que assim seja.
🦄 AMANHÃ (04/08) começa a Jornada de Literatura Fantástica da SUMA! Vou mediar mesas com pessoas ESPETACULARES, a começar pelas mais do que queridas Ana Rüsche, Jéssica Reinaldo e Melissa de Sá ❤ O elenco de todas as lives está OPULENTO e recomendo que vocês acompanhem a programação toda de perto! Bota na agenda aí. Vai ter sorteio!
🎧 Meu querido amigo Angelo faz TUDO e sempre de um jeito foda. Dia desses, perguntei como era o processo de criação de podcast (ele postava episódio novo TODO DIA), e o resultado é essa belezura de artigo completíssimo para quem também pensa em criar seu próprio programa (em inglês). Tô pensando na parte sobre motivação até agora. Aproveita e vai conhecer o podcast dele, o Cronofobia (encerrado, mas sou otimista e tô espalhando que tá em hiatus).
✨ E só lembrando, sexta-feira tem Sandman na Netflix. Não me procurem (mas tem curso sobre ele chegando, se você quiser!)
Inclusive, essa newsletter está sendo finalizada em um sprint de escrita da minha agência literária linda, a Magh. Brigada, Gabi, Becca e Lelê! <3
Menina do céu, ler esse texto foi como ouvir você falando... <3
O único comentário pra toda newsletter é: te amo.
Mas nesse também é: amiga, é pra hiperfocar no seu livro, não no Elvis!!!!!!!