Muita gente tem falado coisas maravilhosas sobre Sandman desde o lançamento da série na última sexta — recomendo o texto lindo da Aline Valek, por exemplo, que foi direto no coração de quem ama as obras de Neil Gaiman e se inspira muito no legado do autor para escrever e criar.
A série é um sucesso estrondoso e eu tô pirando com isso, parece que todo dia é Natal — melhor ainda, um Natal trevoso e vibes. Todo dia, Neil Gaiman me faz feliz de algum jeito novo. Estava conversando com uma amiga sobre como é surreal ter memes de Sandman por aí, sendo algo tão famoso e, ao mesmo tempo, meio indie. O público original das HQs eram garotas universitárias apaixonadas por literatura, um público que não se identificava tanto com a maioria dos quadrinhos em destaque no fim dos anos 80. Além disso, a história tomou muitos rumos disruptivos, estranhos e experimentais, o que tornou a obra de nicho, mas muito aclamada. Então fica tranquilo, Gaiman, seus leitores clamam por referências obscuras à esposa obliterada de Adão, tá tudo certo. Do your thing. Seja esquisito.
Sandman é talvez minha ficção favorita de todos os tempos. Sabe aquele filme, livro ou aquela série que você gostaria de ter escrito? Sandman não é isso pra mim, porque nunca senti que seria capaz de escrever algo desse nível. Mas ele é a base para praticamente tudo que eu amo e gostaria de fazer como artista, especialmente alguns dos arcos ali do fim da história. Ele é o pomo dourado no topo da árvore que estou tentando escalar dia após dia. Ele me dá vontade e ânimo para criar.
E aí que eu estava conversando justamente sobre isso com a minha psicóloga ontem (façam terapia, gostoso demais). Estou escrevendo um livro (!) de não-ficção (!!) que, nos bons dias, parece um projeto meio ambicioso demais — e nos dias ruins, simplesmente sinto que não vai rolar.
Faz tempo que estou nessa fase pouco inspirada e a psicóloga queria entender o motivo, então lá fui eu com a listinha de lamúrias. O tema sobre o qual estou escrevendo difícil, trabalhoso, quem sou eu pra escrever isso? Não sou uma autoridade no assunto, vai ser uma piada. As autoridades que falam sobre esse tema são pesquisadores há décadas. O que eu tenho pra acrescentar? É coisa demais. Não dou conta. É impossível.
Ela fez uma daquelas Carinhas de Psicóloga que eu admiro muito — aquele olhar que analisa, mas não julga, e tem um brilhinho lá no fundo, sabe? — e continuou me dando corda.
Por alguma razão, acabamos falando de Sandman, do quanto eu amo a série e como estou feliz com essa adaptação1. Toda inocente, mencionei a dificuldade de levar uma história como essa para as telas, e como toda a equipe da Netflix, inclusive o próprio Neil, foi corajosa em lidar com trinta anos de expectativas dos fãs. Transpor um texto de uma mídia para outra já é bem delicado, inclusive para autores experientes como ele, com casos de sucesso maravilhosos como Coraline, Stardust e Good Omens. Mas Sandman sempre pareceu impossível de transpor, inadaptável. Todo mundo dizia isso.
E bom, aqui estamos. Putz q mico kkkk
Entre materializar ou não o sonho de décadas (com o perdão do trocadilho), Neil e sua patota escolheram o impossível. E eu apostaria um olho esquerdo com o Coríntio que, apesar do hype, do medo, da dor de barriga, das cobranças, das expectativas — dos outros e de si mesmo —, das redes sociais, das críticas e da trabalheira que tornava essa adaptação virtualmente impossível, havia algo mais urgente, mais profundo que tudo isso lá no âmago do Gaiman. Uma urgência que é da arte, do autor e da possibilidade de tornar real aquilo que sempre foi etéreo.
É impossível? É, ué. Mas bora.
Sandman, a série, poderia ter sido uma bela porcaria. A arte caminha nesse lugar em que eu tenho algo para compartilhar e você se dispõe a me ouvir, ou vice-versa, e todos os envolvidos estão vulneráveis nessa experiência. Não é um contrato entre autoridade e aprendiz, professor e aluno, influenciador e influenciado; é uma troca sutil, particular, mas coletiva. É um grande delírio, pra fazer jus a outra personagem dos Perpétuos.
Talvez, no fundo, toda arte seja impossível. E é por isso mesmo que deve existir.
Infelizmente, esse é mais um dia que eu não acordo metamorfoseada em um Neil Gaiman corajoso que encara seu piriri artístico e segue em frente. Mas assim como ele, também tenho meus impossíveis para lidar — se não eu, ninguém. E o mesmo vale pra você aí que está lendo e pensa que esse papo aqui nem é contigo, porque fazer arte é difícil demais. É. Mas tem que fazer.
💜 O curso sobre Sandman no MIS, aliás, vai rolar e começa HOJE! Muiiito obrigada a todo mundo que compartilhou — vai ser uma turma incrível, estou bem empolgada! Ainda tem espaço para se inscrever, se você quiser, e eu adoro uma ação impulsiva, então vai fundo!
✨ Toda feliz aqui que o projeto do Catarse no qual estou envolvida, um livro jornalístico sobre Sandman, já completou a meta de apoios e ainda tem um mês pela frente! Meu texto incluso na coletânea é um escopo sobre o Sonhar e como ele funciona como um personagem. Hoje, acho que eu escreveria o triplo. A edição está bem linda!
🎥 Falando de impossibilidades, por favor, vejam essa thread MARAVILHOSA da Paula Cruz sobre documentários incríveis para artistas! Tem de tudo, de imitador do Vermeer ao Duna do Jodorowsky. Aliás, sigam a Paula e aproveitem tudo o que ela colocar nesse mundão. Ela é foda!
Muito obrigada por ter me lido até aqui e nos vemos na próxima!
Não sei se ficou claro aqui, mas amei Sandman de todo coração 💜 Ainda não acredito que realmente fizeram algumas coisas, como a convenção de cereais e o episódio 5. Gostei muito, muito mesmo, e suspeito que essa não vai ser a última vez que vou falar dele por aqui. Gigante!
OW O EPISÓDIO 5 É SACANAGEM NÉ.
Enfim, ótima news :)